A DENÚNCIA DA NOSSA EXPERIÊNCIA FRAGMENTÁRIA DA ARTE

        Estar situado em um espaço, numa teia linguística e num ambiente de diversos locutores, ainda que não intricado ativamente na constituição desse espaço, não impede que as vozes que se pronunciam tenham seu caráter conotativo de afetar. E não deixa de ser verdade que o simples estar-em me faz perpassar, mesmo sem a instrumentalidade direta da fala, a realidade discursiva que se constrói no entorno. Tal questão, trago eu, para trabalhar como o último encontro com o convidado e, as posteriores falas que foram feitas sobre ele, produziram em mim questionamentos e reflexões.
       Tais reflexões preferi não publicitá-las na fala, uma por serem mais complexas do que o espaço delimitado do encontro me possibilitariam expô-las e também, porque elas se fariam mais elaboradas e claras na escrita do que na verbalização fonética. Bem, o encontro foi o mais impactante e mais interessante para mim, porque seu discurso é uma ruptura, uma antítese que provoca uma crise real e fatídica, rompendo com uma construção universalizada, hegemônica e incidente trazida até ali.
        É o rompimento que produz reflexões, que reverbera e que constitui aberturas para a construção de novos significados. A hegemonia discursiva que enfoca a dimensão político-ideológica da produção artística corre o risco de reduzir a totalidade integrada do fenômeno da arte. E a presença do convidado não deixou de fazer presente uma antítese questionadora à absolutização da dimensão política da arte e os reducionismos advindos da totalização de um aspecto fragmentário da estética.
       Ninguém pode ter uma real experiência estética tendo um olhar fragmentado para a arte. Um quadro, por exemplo, afeta quando observado em sua integralidade fenomênica. Não são os detalhes fracionados que contam, nem a soma dos detalhes, mas sim a conjuntora global, na qual os detalhes se harmonizam num todo conotativo. De modo similar, a arte não pode ser fragmentada em suas diferentes dimensões discursivas. É verdade que a arte sempre discursa de uma ideologia política. Mas a dimensão política da arte é um fragmento que se absolutizado empobrece a totalidade transcendental do fenômeno estético.
        O convidado não deixa de representar um discurso político, um discurso que fala de um outro lugar, ainda que ele se aparente inconsciente disso. Sua arte pode discursar dos interesses capitalistas, como o da privatização de espaços, assim como outros têm discursado de uma visão política de enfoque coletivo e social. E se a questão que perpassa o pixo e o grafite é tão profunda a ponto de tocar na discussão sobre a legitimidade ou não da propriedade privada, por exemplo, não se podemos ser rápido nos nossos juízos.
        Discursos sedimentam, reincidem, constituem e são naturalizados. Podemos nos acostumar em ouvir um mesmo discurso sempre a cada encontro e deixar-nos constituir de tal forma que tal discurso passa a ser naturalizado como a visão de mundo a partir da qual julgamos positivamente ou negativamente tudo ao nosso redor. E sendo a neutralidade um mito, não se pode fugir disso. Mas rupturas são necessárias para que os discursos, mais propriamente as crenças (pressupostos) que nos constituem, possam emergir e sejamos contrapostos em nossa forma de pensar naturalizada. E em um espaço em que predomina uma hegemonia de opiniões ideológicas, é necessário um discurso disruptivo que transgrida o naturalizado. E é assim, para mim, que alguém que considera pixo crime, que mercantiliza a arte e que nega seu ativismo político, ao mesmo tempo, exatamente por isso, transgride hegemonias ideológicas, discursa politicamente e denuncia nossa experiência fragmentária da arte. 

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